do aniversário

Estou viva. Mas a morte é música. A vida, dissonância
– Presságio, Hilda Hilst

Nunca entendi o porquê de se comemorar aniversários. Principalmente, o meu próprio… Mais um ano de vida na Terra parece não fazer sentido. O calendário poderia ser qualquer outro, e neste, o aniversário poderia se dar em qualquer outro dia. Demasiadamente arbitrário… O que se comemora? Afinal, tão amarga a vida: do que vale? Talvez, seja só a minha… Os sentidos da experiência se perdem ou são ofuscados pela rotina. E, nesta última, as particularidades subjetivas silenciosamente se acumulam em prol das obrigações imediatas. Talvez, viver exija algum tipo de talento natural, que certamente não possuo. Existo.

Nesse movimento de enrijecimento precoce, não tenho celebrado nada. Ainda que racionalmente o peso da palavra vitória prevaleça. Enrijecer. Fortalecer… Conforme o final do ano se aproxima, uma náusea física ataca o corpo, como se borboletas velhas e bêbadas habitassem meu estômago. Desconforto.

da ausência

susto. acordo. aquele pesadelo. algo entre realidade e imaginação. relembro. contorço. sempre escuro. sempre em fuga. nas madrugadas, sempre estou correndo de algo. esconde-esconde. medo. pavor. então eu levanto da cama. tento a vida. sobrevivo. três horas depois, um cansaço toma todo o meu corpo. não é cansaço. sabotando a mente. não me movo, ainda que uma fugitiva ávida da própria vida. arrastada. dolorida. sem sentir. lacuna infinita. ausente de mim mesma. encarcerada no corpo.

de tempos em tempos, algo se move dentro de mim. choro. no segundo seguinte, nada para além do que os olhos enxergam. um bolo engasga na garganta. prestes a explodir. recua. o coração desacelera. engulo o grito. não me movo, contemplo o nada. como se apenas isso bastasse. eu fujo de mim. ainda que o mundo continue girando.

da indiferença

vinde em mim agora que estou despreocupada comigo. karina buhr.

estou ficando para trás no curso da própria vida. ela anda. tem andado aos poucos. ajeitou-se aqui e acolá. em frente tem seguido. eu não tenho acompanhado, no entanto. imobilizada. talvez o peso da existência seja fator determinante na apatia. os passos arrastados que levam a vida adiante, cansam a alma. aos poucos. indiferente aos acontecimentos. um eterno transe existencial. não recordo da última vez que comemorei algo. as vitórias acumuladas em um canto. penduradas. esperando.

do faz tempo

ando desligada de mim, em uma espécie de abandono consciente.

Escrevi pouco no último mês. Refleti pouco no último mês. Esqueci de tudo aquilo que não se encaixou na rotina concreta. Discretamente, abandonei. Tudo. Todos. Abandonei a mim mesma. No limite, é dialética essa questão dos abandonos: o mundo veio me abandonando ou eu que fui abandonando o mundo. Ambos.

Fazia tempo que não acordava como hoje: sem conseguir ao menos levantar da cama. Havia esquecido o que era isso. Dificuldade infinita. Preciso levantar; ecoava em minha mente. Preciso levantar, escovar os dentes, tomar uma xícara de café. Por horas. Horas. Enfim levantei. A dor excruciante da alma então tomou as habilidades corporais. Paralisante. O corpo então pareceu entrar em slow motion.Os olhos não vislumbraram nada além. Apenas o choro de quem não aguenta mais existir.

Desconfortável dentro de mim mesma. Nessa montanha-russa incontrolável que me habita. Um dia por vez.

do minuto

acordar. café. carro. reunião. carro. almoço. reunião… um amigo do passado… mesa. cigarro… a rotina me engoliu. o dia enrijecendo cada vez mais. subitamente, uma avalanche tomou meu corpo. um incomodo tão imediato. fisgada de dor, daquelas que a dúvida da lágrima paira na mente. então, passou… mesa. carro. av paulista… outra pessoa do passado… não senti nada ruim. às vezes o passado não desperta apenas lembrança intragável… sorri. carro. casa. moletom. netflix.

não ando densa. ainda que a vista continue pesada e os olhos se apertem. ainda que por dentro seja tudo tão imensamente hermético. posso dizer que não sinto com frequência. sinto e deixo de sentir. tão imediatamente quanto piscar os olhos. tão rápido e ao mesmo tempo aterrorizante, que a respiração falha… e a incerteza oscilante: apatia ou vivacidade?

do ______ vazio

_ ultimamente a mente tem colocado para o corpo a tarefa de resolver as emergências. o corpo realmente não sabe se aguenta mais. a mente se esforça para manter o maquinário funcionando. independente do dano para a alma.

Não sou. Não sei se algum dia fui. Se sou, sigo sendo nada. Um vazio que se instalou. Uma eterna lacuna em branco. Que é nada. Porém, sinto. Uma dor brutal da profundeza se espraia. Dor física. A cabeça não elabora… A guerra. O choro. Estatelada no chão. Por horas. Dirigindo. O choro. O corpo retorcido. Nada paira na mente. Vazia. Solitária. Apenas a dor. A mágoa. A vontade ensandecida de enlouquecer. Gritar. Respirar fundo. O pensamento centrado na dor física. Em “não aguento mais” repetidamente. Um, dois, três, quatro dias. Enrijecida de novo. A vida que continua. Nada muda. O baque de quando tudo muda rápido demais. Saiu da alçada. O corpo que quer desistir. O vácuo que a mente se torna. Vida. Rotina. Desconforto. Máquina. Concreto. Sozinha.

do fluxo

não sei como escrevo… o porquê é óbvio: escrevo para arrancar essa espécie de febre e dor dos sentires abundantes… sinto demais. ou, em boa parte do tempo, de menos – em escala: da ordem dos números negativos… escrevo a dor física. a dor dor. escrevo os concretos que se transformam em paranoias e desconforto.. os empecilhos da sobrevivência e sanidade. poucas vezes fui completamente subjetiva. ainda que a dor na alma seja, por definição, abstrata… o corpo sempre denuncia que não vou bem internamente, antes mesmo da mente alertar… a questão é que são raros os momentos que a febre de subjetividade adentra o corpo e consigo traduzi-la. mesmo que ela seja constante… mesmo me sentido complexa. mesmo quando me sinto nada. mesmo quando deliro… talvez, seja problemas de confiança… em mim mesma… comigo mesma… dentro de mim… porventura, vergonha não diagnosticada. e quando escrevo devaneios e confissões duras no caderno vermelho, nunca volto a ler. os tabus da minha vida… não sei. é só um fluxo de consciência que se instalou na cabeça. algumas palavras desconexas. apenas.

da vontade

eu sinto sua falta.
assinado: t.

das mensagens que nunca poderão ser enviadas. talvez por orgulho, talvez por mágoa. talvez não apenas para uma única pessoa. às vezes para várias. para duas… das tolices que nossas emoções tentam nos envolver, mas a razão se sobrepõe. esmaga. dilacera. dor.

da parede branca

estou escrevendo para expressar apenas que não abandonei as linhas. ultimamente, sinto mais como se elas tivesse me abandonado. eu não tenho muito o que confessar. meus imediatamentes que às vezes são tão complexos e simples e duros, nos últimos dias, têm sido constantes. monótonos. vazios. o mesmo do mesmo do mesmo… a eterna sensação de conseguir observar uma parede lisa e branca por dias. sem movimentos. talvez, a rotina intensa tenha me domado. ou apenas bloqueado meus sentires. uma agonia chega a subir pelos meus dedos… porém, a folha continua em branco. chego a sentir meu colo levando agulhadas de ansiedade e a respiração falhar. e cessa sem que nada vire pensamento. a parede branca e eu. frias. enrijecidas. estáticas. uma lacuna infinita.